5 dias de cinzas

Tenho estado um pouco inativa por estes lados, tanto no blog como até no Instagram, mas digamos que, em primeiro lugar, não tenho tido muita vontade ultimamente de abrir as minhas redes sociais e colocar lá conteúdos, e segundo (e esta é a razão que eu me vou concentrar neste post) aconteceu…um certo desastre, (sim, vou utilizar esta palavra) á um pouco mais de duas semanas, aqui pelos lados onde vivo, em Vila Velha de Ródão.

É irónico eu ter falado sobre este assunto dos incêndios e de Pedrógão Grande no inicio do Verão, e voltar agora com o mesmo assunto. Mas desta vez, fui eu que presenciei (não numa maneira tão agressiva como em Pedrógão) esta situação toda de vermos um grande incêndio perto das nossas casas, e não termos o poder de fazer alguma coisa para trava-lo.

Foi uma semana de chamas e cinzas, em que partilho agora convosco um pequeno resumo de como vivi cada dia, desde o domingo de 23 de Julho até á quinta-feira de 27 de Julho:



Domingo, á noite:

Ainda não tinha ouvido muito falar do incêndio da Sertã, nem estava consciente das suas proporções. Nessa noite, estava eu a dar uma volta com os meus vizinhos, e conseguia-se ver perfeitamente a bola de fumo negro, ainda longe, mas com um efeito assustador, a vir na direção da nossa vila. Um deles disse: “Queres ver, ainda vai cá chegar…!”, mas eu não sou muito de sofrer por antecipação e simplesmente nem pensei no assunto, que ingénua.


Segunda, á tarde:

Vinha eu de Castelo Branco e assim que estava mais perto de casa, mais o fumo era intenso, tão opaco que tornava o sol vermelho, como se estivéssemos numa espécie de apocalipse. No final da tarde, as nossas comunicações foram a baixo, deixámos de ter televisão, Internet e telefone, e mais tarde a rede. Combinei com uns amigos em irmos dar uma volta á noite, e acabamos por ficar á frente dos bombeiros. Estava lá muita gente, e já conseguíamos ver dali as chamas do fogo que entretanto se alastraram num piscar de olhos. Como eram poucos os que tinham comunicações, todo este aparato até acabou por ser uma desculpa para as pessoas saírem de casa e… conviverem? Não era o momento apropriado para socializar, mas a verdade é que foi o que aconteceu. Os cafés que não tinham outra operadora sem ser a MEO, continuaram a ter televisão, então enchiam-se de gente a ver as notícias. Aconteceu o mesmo na casa de uma amiga minha, em que estava um grande grupo de gente de olhos postos na televisão á espera que falassem das proporções dos fogos. Aqueles momentos fizeram-me de certa forma imaginar que tínhamos voltado aos tempos de antigamente em que era raro a casa que tinha uma televisão. Nessa noite, foi a minha única oportunidade que tive para falar pela Internet com os familiares e amigos que tinham tentado contactar-me em vão.


Terça, de manhã.

Acordo com o meu quintal repleto de cinzas. O fogo parece estar mais controlado, mas ainda existe muito pó no ar, no entanto, ainda não temos comunicações. Á tarde, como não se faz nada em casa, fui até á biblioteca encontrar-me com uns amigos. Não pensámos muito sobre o incêndio nessa tarde, até que alguém nos veio avisar que o fogo estava de novo na serra, e desta vez, ainda mais perto da minha casa. Fui até lá, e encontrei os meus vizinhos e os meus pais fora de casa de olhos postos nas chamas. O céu nesse dia continuava laranja, mas desta vez imensos pássaros voavam desorientados. Muitos de nós molhámos com as mangueiras as traseiras das casas com medo que alguma fagulha caísse lá, pois o nosso bairro não está nada protegido porque está rodeado de pinheiros mesmo logo a seguir ás nossas casas e nas traseiras. Nesse dia, ouve um verdadeiro sentimento de preocupação.


Quarta, á tarde.

Decidimos ir dar uma volta de carro pelos lados que tinham ardido e a imagem foi devastadora. Uma serra de grande extensão, em que o seu verde estava agora em tons de preto e castanho. Ainda se sente o cheiro a incêndio. Acabámos por chegar á ponte que tem vista para as Portas de Ródão (deixo uma imagem deste monumento natural, para quem não o conhece, não está atual) e a imagem foi ainda mais triste. O incêndio já tinha consumido a serra onde está uma torre de vigia muito antiga (imagem em baixo, também não está atual) e consumia agora uma das Portas. Senti tanta raiva ao ver aquele monumento natural, que sempre esteve presente na minha infância, aquela paisagem que me enchia de orgulho e de inspiração, vista a ser dominada pelas chamas.
Nessa noite, recebo uma chamada do meu tio a dizer que o fogo tinha saltado para o outro lado do rio Tejo, e que estava agora a queimar o outro lado das Portas. Não vi isso, apenas fotografias e apesar de ter dado uma imagem bastante épica, a raiva que tinha passou a cansaço, já estava tão farta de incêndios, já tinha ardido demasiado…






Quinta, á noite:

Continua a arder os últimos pedaços de paisagem que tínhamos, mas agora o fogo já se tinha alastrado para o concelho de Nisa e estava cada vez mais longe daqui. Sobraram as cinzas, uma natureza morta e uma paisagem destruída. Quantos anos serão necessários para que tudo isto volte ao normal? Este sentimento de veres os teus lugares preferido estarem agora completamente diferentes, apenas porque alguém não sei de onde quis realizar os seus prazeres e por fogo num sítio qualquer, que acabou por degolar milhares de hectares. 

Chamem-lhe loucura, egocentrismo ou egoísmo, tudo isto me põe doente.



Quando tiver coragem, irem fazer um novo post com fotografias sobre este incêndio.

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